quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Memórias do Olhar


Houve um tempo em que você sabia o significado da palavra amor. Bastava olhar nos meus olhos. Hoje, vira as sílabas pelo avesso, estuda a semântica, analisa dados, mas continua sem entendê-lo.  Perdeu o hábito de ser feliz!

Faz parte do processo evolutivo do ser humano estudar a linguagem das palavras e buscar a sua significação. Mas, o essencial, aquilo que tem importância, não está na escrita e sim, no silêncio – aquele que fala através do olhar - embora poucos o compreendam ou lhe deem atenção.

Não importa o que eu diga ou escreva. Não se prenda a dados!  Não me leve tão a sério! Estou apenas exercitando a minha liberdade de criar, de brincar com as palavras. Esteja atento, sim, ao que dizem os meus olhos, pois eles traduzem aquela nudez que eu não desejo expor, mas que escapa derramando a memória dos desejos que deixei guardados nas gavetas da minha alma.

Por isso, não desvie os seus olhos dos meus...  Essa é a única maneira de você entender o significado da palavra amor.  Quanto às palavras, esqueça-as! Elas não guardam saudades, tampouco desejos.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Uma Carta para Minha Filha


Outro dia, enquanto conversávamos, a minha filha quis saber sobre o valor das coisas. Não no seu sentido material, mas sobre o grau de importância que determinados fatos têm e como eles afetam o nosso processo de formação e influenciam na maneira como enxergamos à vida. Por isso, resolvi escrever-lhe esta carta.

Minha filha,

A minha infância transcorreu sem maiores problemas, porque tive a sorte de ser filha de pais que tinham excelentes condições financeiras. Porém, nela não havia espaço para brinquedos, festas de aniversário, nem contos de fadas. Para eles, apenas estudo e boa alimentação eram prioridades...

Morei numa rua em que todas as meninas da minha idade eram filhas únicas e mimadas. Nada lhes era negado... Os meus olhos de menina, daquela época, viam desfilar diante de si todas as bonecas e brinquedos que eram lançados no mercado e que depois iam enfeitar as prateleiras dos quartos cor-de-rosa que tanto encantaram a minha infância.

Festas de aniversário! Essas eram temáticas, cada uma mais bonita que as outras. E, para colorir e embelezar ainda mais esse mundo infantil, das minhas amigas, histórias de contos de fadas lhes antecipavam uma boa noite de sono e sonhos.

Eu, porém, cresci com poucos brinquedos e esses, comprei-os na feira: panelinhas de barro para brincar de cozido, bonecas de pano (que chamávamos de bruxas de pano) e outras que eu recortava das revistas de papelão. Lembro-me, também, de um bambolê que ganhei de uma tia.

Festa de aniversário!? - Nunca comemorei! E as histórias de contos de fadas eu mesma lia para mim, surgindo daí o meu gosto pela leitura, que teve seu início com as revistas Lulu e Bolinha.

Porém, numa certa noite de natal, quando a minha espera pelo brinquedo desejado, já cansara de esperar, eis que surge, junto aos meus sapatinhos, a boneca mais linda que alguém já pôde ganhar. Não tinha cabelos, nem roupas, apenas uma fraudinha, uma mamadeira e um urinol. Se eu fechar os olhos, agora, mesmo já tendo transcorrido tanto tempo, consigo reviver a cena com a mesma emoção e alegria... Inesquecível!  Aquele presente ficou feito tatuagem em meu coração e na minha memória.

E, sabe por que eu lhe conto tudo isso nessa carta? - É para responder a sua pergunta sobre o valor das coisas.

- Quando você e seus irmãos nasceram eu proporcionei-lhes tudo o que o dinheiro podia comprar, entre brinquedos, festas e outros bens materiais.  Queria dar a vocês o que nunca tive... Um dia, chamei cada um, em separado, e perguntei-lhe qual o brinquedo que mais o havia marcado ou que lhe trouxera maior alegria. Todos deram a mesma resposta: - mainha, foram tantos que eu nem lembro mais...

Então, nessa hora, a vida me ensinou o real valor das coisas...  Quando nos faltam, valorizamos! Quando temos em abundância nem a memória nos ajuda. E, isso serve também, para medir a importância das pessoas em nossas vidas, pois muitas delas viram móveis e utensílios ou um adorno a mais a enfeitar as prateleiras da nossa existência.