terça-feira, 1 de novembro de 2011

Uma Carta para Minha Filha


Outro dia, enquanto conversávamos, a minha filha quis saber sobre o valor das coisas. Não no seu sentido material, mas sobre o grau de importância que determinados fatos têm e como eles afetam o nosso processo de formação e influenciam na maneira como enxergamos à vida. Por isso, resolvi escrever-lhe esta carta.

Minha filha,

A minha infância transcorreu sem maiores problemas, porque tive a sorte de ser filha de pais que tinham excelentes condições financeiras. Porém, nela não havia espaço para brinquedos, festas de aniversário, nem contos de fadas. Para eles, apenas estudo e boa alimentação eram prioridades...

Morei numa rua em que todas as meninas da minha idade eram filhas únicas e mimadas. Nada lhes era negado... Os meus olhos de menina, daquela época, viam desfilar diante de si todas as bonecas e brinquedos que eram lançados no mercado e que depois iam enfeitar as prateleiras dos quartos cor-de-rosa que tanto encantaram a minha infância.

Festas de aniversário! Essas eram temáticas, cada uma mais bonita que as outras. E, para colorir e embelezar ainda mais esse mundo infantil, das minhas amigas, histórias de contos de fadas lhes antecipavam uma boa noite de sono e sonhos.

Eu, porém, cresci com poucos brinquedos e esses, comprei-os na feira: panelinhas de barro para brincar de cozido, bonecas de pano (que chamávamos de bruxas de pano) e outras que eu recortava das revistas de papelão. Lembro-me, também, de um bambolê que ganhei de uma tia.

Festa de aniversário!? - Nunca comemorei! E as histórias de contos de fadas eu mesma lia para mim, surgindo daí o meu gosto pela leitura, que teve seu início com as revistas Lulu e Bolinha.

Porém, numa certa noite de natal, quando a minha espera pelo brinquedo desejado, já cansara de esperar, eis que surge, junto aos meus sapatinhos, a boneca mais linda que alguém já pôde ganhar. Não tinha cabelos, nem roupas, apenas uma fraudinha, uma mamadeira e um urinol. Se eu fechar os olhos, agora, mesmo já tendo transcorrido tanto tempo, consigo reviver a cena com a mesma emoção e alegria... Inesquecível!  Aquele presente ficou feito tatuagem em meu coração e na minha memória.

E, sabe por que eu lhe conto tudo isso nessa carta? - É para responder a sua pergunta sobre o valor das coisas.

- Quando você e seus irmãos nasceram eu proporcionei-lhes tudo o que o dinheiro podia comprar, entre brinquedos, festas e outros bens materiais.  Queria dar a vocês o que nunca tive... Um dia, chamei cada um, em separado, e perguntei-lhe qual o brinquedo que mais o havia marcado ou que lhe trouxera maior alegria. Todos deram a mesma resposta: - mainha, foram tantos que eu nem lembro mais...

Então, nessa hora, a vida me ensinou o real valor das coisas...  Quando nos faltam, valorizamos! Quando temos em abundância nem a memória nos ajuda. E, isso serve também, para medir a importância das pessoas em nossas vidas, pois muitas delas viram móveis e utensílios ou um adorno a mais a enfeitar as prateleiras da nossa existência.




5 comentários :

  1. Julieta,

    Que não precisemos perder as pessoas que amamos para que elas saibam o quanto são importantes para nós. A vida é feita de pequenos bons momentos que partilhamos nesta caminhada, mas não basta vivenciá-los , muitas vezes, precisamos verbalizar a nossa alegria para ajudar a memória a guardá-los em um lugar especial.


    Que isso se propague aos quatro ventos...
    Bj grande, minha querida amiga!

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  2. Hoje os valores estão sendo cada vez mais invertidos... agradeço a Deus pelo melhor presente que eu poderia ter... minha família maravilhosa e os amigos que são a família que eu escolhi!!

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  3. Ju
    Mais uma carta que vem clarear nossas mentes quando pensamos em valores , sentimentos , princípios , berço.
    A experiencia do que se viveu nos dá suporte pra ensinar melhor, aclara nosso conceito .
    Gosto dessa forma de falar por cartas, fica íntimo.
    Adoro intimidades, rs os poetas gostam também de mandar cartas aos amigos , aos amados .
    Quintana sublimava e dizia delas;
    " ... das cartas que me escreves
    Faço barcos de papel!"
    sua filha terá com que se orgulhar dos barquinhos de papel carregadinhos de ensinamentos que mandas a ela.
    Faz parte do seu show Ju,és uma poeta e mãe adorável!
    Vir aqui é um prazer ,
    te deixo abraços

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  4. Todas as cartas para os filhos são tão bonitas Julieta. Mesmo aquelas que nunca chegamos a escrever.

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  5. Me emocionou, Julieta.
    Nem sei comentar.
    Apenas bater palmas. De pé.

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